A aventura começou quando meus pais me inscreveram no Grupo Escoteiro Tapajós, na Cidade Baixa de Porto Alegre. Eu tinha uns 12 anos e, com minha energia inesgotável, eles viram no escotismo a oportunidade perfeita para canalizar toda a minha disposição aos sábados. Logo me apaixonei pelas atividades de amarrar, construir e explorar a cidade, mas sentia que faltava algo mais. Foi então que nossos chefes mencionaram o acampamento anual dos Lobinhos, o que me interessou muito, pois tínhamos passado o ano aprendendo a lidar com adversidades e a trabalhar em equipe.

Disseram que iríamos para um lugar perigoso e fizeram reuniões com meus pais. O local escolhido era o Canyon Itaimbezinho. Não tinha a menor ideia do que seria isso, mas a palavra perigoso e camping já me fez sorrir!

O dia chegou e, na sexta à noite todos dormimos na sede pois sairíamos às 4 horas da manhã. Ao amanhecer, o céu estava estrelado e prometia um grande dia. Fomos em direção a São Francisco de Paula e o clima mudou totalmente para um dia chuvoso e frio. Mas a aventura estava só começando, nosso ônibus atolou a uns 2 km do Itaimbezinho e tivemos que nos tornar mulas de carga. Mas aos 12 anos tudo isso é legal e finalmente chegamos ali no início do Canyon. Fomos até a casa do senhor que cuidava da fazenda e devido a chuva, ele ofereceu o estábulo para ficarmos pois as vacas estavam no campo e ele não iria atrás delas com aquele clima.

Sentamos para descansar enquanto os chefes decidiam o que iria ser feito.
Após uma hora, montamos acampamento dentro do estábulo pois não tinha condição de montar as barracas fora. Com aquele balde de chuva fria ficamos livres para fazer o que queríamos, menos se aproximar da beira do Canyon. Estávamos amando explorar as terras gélidas e úmidas, correr, guerra de esterco e tudo que um bom camping te oferece!
A noite chegou e, após uma refeição quente, ficamos à beira do fogo contando as histórias do dia e rezando para que o sábado tenha sol.

Fomos acordados logo antes do amanhecer pelos donos do estábulo, as vacas não paravam de mugir nos dizendo “caiam fora!” foi uma loucura,mas nos divertimos com a cena dos animais caminhando entre nós enquanto retiramos as coisas às pressas. Foi aí que percebemos uma forte neblina trazendo a notícia que teríamos um dia de sol. Nós começamos a sonhar em descer o Itaimbezinho enquanto montamos um acampamento improvisado para podermos tomar café e iniciarmos a descida. Tudo certo e organizado com o guia e os chefes. Foi a jornada menor e mais frustrante pois quando chegamos no rio que alimenta o canyon e por onde tem a trilha o que encontramos foi muita água que impossibilitava a descida. De qualquer modo estendemos um toldo e montamos um fogão aéreo, fizemos caminhadas pela borda do Canyons e voltamos para casa. Só que aquela experiência me moveu. A vida no camping, o coleguismo, as atividades conjuntas me fizeram acreditar que o campismo era um bom caminho. Sabia que teria que desafiar o canyon mas a vida segue.

Tempos depois, eu já com 17 anos, e mais dois amigos aposentados do escotismo mas apaixonados pelo camping e suas aventuras, decidimos que era hora de descer o Itaimbezinho. Em uma época sem internet buscamos algumas informações, cordas, mosquetões e as passagens para irmos a São Francisco. Chegando na cidade, não demorou para conseguirmos uma carona para o Itaimbezinho. Era bem cedo da manhã, quando nos aproximamos do Canyon, vimos aquela linda imagem do campo todo nu sem árvores e o sol saindo por trás do paredão de pedra que cria o próprio Canyon nos sentimos como os expedicionários do National Geographic. Nos olhamos e sorrimos com preocupação. A partir dali somente meus pais sabiam onde estávamos. Eles voltariam de Florianópolis e nos encontrariamos no domingo à tarde na saída do Canyon na Praia Grande. Descemos da F1000 e ajudamos o pessoal a baixar as coisas e alimentos que eram para a fazenda. Era uma sexta-feira de feriado em novembro. Decidimos que montariamos o acampamento para organizar a descida nas primeiras horas de sábado.

O local estava igual a minha primeira jornada, mas por sorte as vacas já tinham servido seu objetivo maior e não estavam mais lá! Por azar perdemos o churrasco mas só de ter um teto ficamos contentes pois não tínhamos barracas, somente uma lona. Expedições assim requerem outro tipo de acampamento, pois você não está em um camping e sim uma caminhada sem parar.

Quando caminhamos até a beira do canyon, vimos o tamanho da aventura e emocionados como se tivéssemos convidado a garota da turma ao lado para ir ao cinema e ela aceitou saimos correndo em direção ao galpão como as crianças.
Preparamos nosso almoço e fomos conversar com o caseiro e, por sorte, o rio estava baixo e ele iria nos levar até a entrada da trilha. Com nossas emoções correndo a velocidades astronômicas, fomos rever os planos e equipamentos. O senhor nos convidou para um jantar campeiro em seu barraco e fomos dormir assim que anoiteceu.
Sábado sem as vacas e com muito frio acordamos juntos com o sol, pois tínhamos até o domingo à tarde para fazer tudo e nos divertir!

Começou a descida e o sonho de uma vida estava estampado na minha cara, como poderia ser possível existir tudo aquilo e as pessoas sonham em passar seus finais de semanas em shoppings? Será que existem mulheres que gostam disso? Vou acabar como o velho da fazenda sozinho, mas vivendo uma vida de aventura e acampamentos? Eram tantas perguntas que parecia que eu estava caminhando pelas calçadas de Porto Alegre. Foi quando chegamos na metade da descida e tinha um entroncamento. Decidimos parar para comer algo e analisar a grandeza e dimensão do que estávamos fazendo. Comemos as laranjas que o senhor tinha nos dado para não comer nossa comida.
Percebemos que a caminhada estava fácil até aqui e que não tinha tido muitos desafios. Foi quando tivemos uma brilhante ideia! O senhor disse para sempre seguirmos pelo lado direto do canyon pois o esquerdo era difícil e perigoso. Pronto, foi decidido, 3 escoteiros com medalhas nunca aceitam o fácil, éramos os melhores e mais destemidos então vamos fazer o que é certo: vamos pela esquerda!

Agora o sentimento de acampamento, parceira e risadas estão prontos, após alguns minutos descobrimos um caminho para o outro lado e aí as coisas começaram a parecer como um sonho de estar no paraíso! Cordas, mosquetões e tudo mais para escaladas. A cada momento os desafios ficaram mais emocionantes, o dia foi passando e nada de pararmos, pois tínhamos a adrenalina para nos enganar.Todos aqueles nós que sabíamos foram usados. Quando chegamos a uma pedra, pareciam os Moais da Ilha da Páscoa. Ficamos analisando e escolhemos a trilha onde amarramos a corda na cabeça do Moai correríamos pela pedra base e em um salto por uma vale de altura superior a muitos metros chegaríamos a outra pedra. Algo que vimos o Tarzan fazer todo dia, enfim nada de mais.Hahahah Foi o primeiro embalo e meus pés tocaram a outra pedra ,mas fiquei no vão do precipício! Como os três abobados não paravam de rir, eles me puxaram de volta pela corda amarrada em meu cinturão de escalada e quando botei os pés na pedra percebi que não conseguia ficar de pé pois eu tremia muito! Nada que um embalo maior não tenha resolvido e seguimos em frente.
Nossa aventura continuou e em algum momento decidimos que deveríamos parar pois estava anoitecendo.

A beleza e grandiosidade da natureza, os pássaros berrando e ecoando como se estivéssemos em um capítulo do Elo Pèrdido fazia nossa emoção subir e o cansaço desaparecia. Fizemos uma fogueira e descobrimos um platô que seria ideal para dormimos pois os animais peçonhentos não deveriam subir ali. Para nós escalarmos 2 metros, era um passeio no parque, a laje era enorme e daria para os 3 dormirem sem nos movermos muito.
Em algum momento na madrugada me acordei e fiquei vendo as estrelas por cima do canyon, estávamos perdidos e esquecidos pelo mundo e, apesar do frio e, de dormir direto nas pedras, ver a escuridão completa, o silêncio e as estrelas nos faziam ter a certeza de que aquele camping era o ponto alto de nossas vidas. Foi quando algo me chamou a atenção e acordei o Júlio. Sim eram esferas que se moviam em linha reta que subiam, desciam e pairavam sobre o Itaimbezinho. Ficamos observando e concluímos que o local deveria ser um portal para outros mundos e civilizações avançadas, nada que algum capítulo do Star Trek não explicaria. Logo, estávamos dormindo novamente e uma noite horrível de sono e muito frio que não seria trocada por um hotel na Bahia com certeza.

Amanheceu, e tivemos uma visão das mais horríveis de toda a viagem! Sim, o outro lado da lage dava para uma queda tipo resgate de corpo! Mas a natureza era tão linda e tudo estava perfeito, acampar com os amigos era nada mais perfeito que isso.
Descemos com cuidados pois nossos corpos estavam congelados. Fizemos uma fogueira e começou a aparecer o sol dentro do canyon, sem relógios ( tínhamos decidido se orientar pelo sol, mas o sol mal batia lá embaixo!) Já era domingo e tínhamos percebido que nossa aventura pelo lado esquerdo nos atrasou muito e mal tínhamos saído da curva do Itaimbezinho. Como bons jovens, percebemos que não seria problema, mas o bom senso nos fez pularmos para o lado direito e acelerarmos o passo.
Ver a natureza se acordar em um local intocado pelo homem nos faz pensar que o camping é uma maneira de voltarmos no tempo e vivermos um pouco do que nossos ancestrais viviam quando a vida era estar no campo e a velocidade era a dos pés.
Durante nossa caminhada tivemos vistas lindas da natureza, os pássaros nos observando com seus olhos que pareciam umas câmeras wifi, sem falar dos urubus que nos espreitavam e com seus olhares maliciosos, deixavam claro que nosso azar seria a refeição deles.

Pelo meio dia, paramos para tomar um banho nas águas geladas e nos aquecer em uma pedra. Comemos algo e verificamos que os pés e mãos tinham sangue e vários cortes! Ficamos felizes, pois já tínhamos nossos troféus para mostrar no colégio e pros amigos. Dormimos ao calor do sol e conseguimos perder mais tempo para chegar em Praia Grande. Decidimos então, esquecer a aventura e correr por nossas vidas! Mais ou menos aquelas cenas do Jurassic Park mas ao invés de estarem atrás, os monstros estavam à nossa frente. Ao final de contas, uma mãe brava é um ser muito perigoso e em silêncio caminhávamos como dava. Pelo final do dia, percebemos que não chegaríamos a tempo e a noite já tinha se instalado.

Rezamos para que os nossos pais tivessem algum tipo de contratempo e se atrasassem.Então fomos dormir.

Já na segunda-feira, acordamos o mais cedo possível e tomamos o rumo da saída e com mais 2 horas de caminhada, vimos que o canyon estava se abrindo e a garganta ficando para trás. Neste momento, percebemos o perigo que seria ver meus pais nos esperando e qual seria a desculpa para o atraso. Enquanto decidíamos sobre qual desculpa iriamos dar, ouvimos umas vozes vindo em nossa direção e pensamos que seriam campistas também. Após alguns metros vimos que eram bombeiros socorristas e nos perguntamos se alguém tinha se machucado atrás de nós. Foi quando um deles perguntou sobre o meu nome e eu gelei como um copo que saiu da geladeira e colocaram cerveja, naquele momento uma fina camada de gelo se formou na minha pele e eu não sabia como agir. Respondi que sim. Se tem uma coisa que acampar te ensina, é enfrentar os desafios e continuamos junto com os socorristas até o final da caminhada..

Chegamos naquele gramado aberto à esquerda do rio e lá estava minha mãe passando mal, o prefeito da cidade, duas bandeirantes dos bombeiros, parecia um circo montado, afinal éramos jovens e tudo aquilo não era para tanto. Era só um pequeno atraso dentro de um canyon! Para nossa sorte, a felicidade dos nossos pais foi maior do que a bronca, mas tivemos que escutar minha mãe por uma hora até chegar em Osório.

O camping está sempre em meu DNA, a aventura e o coleguismo são os ingredientes necessários para as novas aventuras e, apesar de não poder acampar por muito tempo, assim que fiz 18 anos, eu já tinha meu carro e meu destino era o Farol de Santa Marta como camping predileto.

Moral da estória, não interessa o tamanho da aventura, vá e divirta-se!

Por: Eduardo de Pinho Guimarães

 

Com humor e suas próprias palavras, nossos campistas estão trazendo suas aventuras contadas ao redor da fogueira.

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